Prevenção de lesões de tornozelo em praticantes de Voleibol
O voleibol está entre os esportes mais populares do mundo. No Brasil, houve um considerável aumento na prática desta modalidade, motivado talvez, pelas importantes conquistas e por influência dos meios de comunicação. Nestas participações estão homens mulheres das mais variadas idades com diferentes níveis de habilidade. E todos estão susceptíveis as lesões.
As lesões mais freqüentes são desencadeadas por trauma agudo (macrotrauma), onde os mecanismos de causa são bem definidos. No voleibol, este tipo de lesão é bastante comum. Apesar de ser um esporte com limitado contato físico, pelo fato, das equipes estarem separadas por uma rede, há uma elevada incidência de lesões (SCHUTZ, 1999). A maioria dessas lesões ocorre principalmente na zona de ataque da quadra de voleibol, atingindo principalmente a região do tornozelo, durante a finalização das ações de bloquear e atacar (LAFORGIA, et al., 1995; BAHR & BAHR, 1997; SCHUTZ, 1999). Nesta área, os atletas estão propensos a adquirir este tipo de lesão. Todos, com exceção do líbero estão igualmente expostos ao risco, durante os treinos ou nos jogos coletivos.
O contato físico fica restrito a zona de conflito (SCHUTZ, 1999), localizado na linha central da quadra de voleibol, sob a rede. A cada aterrissagem das ações realizadas (bloqueio, ataque ou levantamento com salto), os atletas podem cair com um dos pés mal posicionado no solo ou sobre o(s) pé(s) do companheiro ou do adversário, acarretando sérias conseqüências (Figura 1).
Figura 1. Esquematização do mecanismo de entorse por inversão do tornozelo na zona de conflito, sob a rede na linha central da quadra de voleibol. Fonte: BAHR et al., 1994: 598.
Incidência de lesões na região do tornozelo na prática do Voleibol
Estudos sobre as lesões no voleibol profissional estão bem descritos na literatura. No entanto, existem poucos estudos direcionados ao voleibol amador principalmente nas categorias de base. Os atletas jovens praticantes de voleibol também têm sofrido com altos índices e com a precocidade das lesões.
Entre as atletas que sofreram lesão com afastamento temporário da prática do voleibol no ano de 2003 e primeiro semestre de 2004, 66% estavam entre as idades de 11 e 14 anos, na época, categorias Pré-Mirim e Mirim, período em que estão em fase de aprendizagem e formação desportiva. Metade dessas lesões incidiu na região do tornozelo, por trauma agudo. (FARINA, 2006). Outra pesquisa realizada pelo autor, considerando apenas as lesões relatadas nos membros inferiores nesta mesma população, verificou-se também que o tornozelo foi a região mais atingida, e que, 23,63% delas tinham sofrido mais de uma lesão, bilateralmente ou por reincidência (FARINA, 2001). A proporção do risco aumenta no sexo feminino e principalmente em atletas com prévia história de entorse, as chances de reincidência aumentam em quatro ou cinco vezes (BAHR E BAHR, 1997, BAHR, et al. (1997); THACKER, 1999). E as mulheres são mais susceptíveis as lesões que os homens (GORMAN, 1998; ROZZI & LEPHART, 1999).
LAFORGIA, et al. (1995), relatou que as lesões no tornozelo ocorreram em maior escala nos jogadores de ponta do que nos jogadores de meio, essa análise foi realizada durante uma competição de grande importância na Itália.
O mecanismo de lesão
O mecanismo de lesão mais freqüente na região do tornozelo é o trauma agudo por entorse. Existem dois mecanismos de entorse, por eversão e inversão. A eversão é um mecanismo de lesão de menor ocorrência, porém, apresentam danos mais severos as estruturas comparadas aos danos pelo mecanismo de inversão.
Atentaremos em descrever o mecanismo por inversão (Figura 1), por ser mais freqüente nas atividades esportivas (MILLER & HERGENROEDER, 1990; BERNIER, PERRIN, 1998; SCHUTZ, 1999).
A entorse não ocorre unicamente por um único movimento, são combinações de movimentos, como a de flexão plantar, supinação e adução do pé. Ações acima dos limiares fisiológicos provocam distensões, rupturas (parcial ou completa) de um ou mais dos ligamentos articulares que estabilizam o tornozelo. Durante a ocorrência da inversão, os ligamentos e os músculos na região da fíbula responsáveis pela eversão do tornozelo, reagem rapidamente na tentativa de estabilizar a articulação, mas, se o movimento for continuado, por uma ação de grande intensidade, acaba excedendo as tensões dos tecidos, e o primeiro e se romper é o ligamento talo-fibular anterior, seguido pelo ligamento calcâneo-fibular, e posteriormente ou sucessivamente, o talo-fibular posterior, podendo atingir estruturas ósseas com fraturas no nível da linha articular (MILLER & HERGENROEDER, 1990). A intensidade de mecanismo de lesão influenciará na gravidade da lesão.
A inversão do tornozelo freqüentemente resulta em grau de instabilidade funcional principalmente nas reincidências, devido à diminuição das forças dos músculos eversores do tornozelo e da sensibilidade dos proprioceptores na região. BERNIER E PERRIN (1998), reforçam que esses fatores influenciam no controle postural.
Proposta de prevenção
A prevenção é uma soma de medidas com bases científicas que devem ser colocadas em prática de forma planejada e organizada. Para que o programa seja efetivo, os profissionais que atuam com atletas amadores ou profissionais de qualquer idade (professores, preparadores físicos, técnicos, fisioterapeutas, médicos, entre outros) precisam atuar concomitantemente e solidariamente. A participação e a colaboração do atleta é fundamental para o sucesso, tanto na prevenção ou no tratamento das lesões.
As propostas descritas a seguir são informações e sugestões baseadas na revisão bibliográfica e na experiência profissional com o propósito de intervir na prevenção das lesões na região do tornozelo.
a. Programa Teórico: o esclarecimento dos fatores de risco para a conscientização são importantes (BAHAR, et al., 1997). Explicações e demonstrações áudio-visuais, dos mecanismos e das ações que podem levar o atleta a adquirir lesões, despertam a preocupação e a precaução.
b. Pré-avaliação: a avaliação biomecânica e das condições físicas dos atletas antes da iniciação esportiva e em cada pré-temporada, é fundamental, para a identificação dos possíveis problemas que possam levar o atleta estar no grupo de risco (GARRICK, 1990; HERGENROEDER, 1997; ZITO, 1993).
c. Treinamento Resistido: este tipo de treinamento favorece a aptidão física e o condicionamento da resposta fisiológica para a atividade física. Realizado nas estruturas adjacentes à articulação do tornozelo especificamente, levam a adaptações neuro-musculares favoráveis, sustentando e reforçando a estabilidade articular, conseqüentemente, prevenindo lesões. Sugere-se o fortalecimento dos músculos, dorsiflexores, eversores do tornozelo e dos flexores-plantar.
d. Treinamento Funcional: o treinamento funcional vem sendo muito difundido no Brasil. Têm como princípio, condicionar o corpo funcionalmente de maneira eficiente e segura, podendo estar diretamente relacionado a atividade física praticada, melhorando seu desempenho. Estimula o corpo amplamente facilitando o aprimoramento dos movimentos, por deixar de trabalhar as unidades músculo-esquelética de forma segmentada ou isolada, conseqüentemente, prevenindo lesões, entre outros benefícios.
e. Alongamento: por meio de exercícios regulares e específicos, o alongamento favorece a mobilidade articular, otimiza o aprendizado e o desempenho atlético pela consciência corporal, diminuindo a tensão muscular na região.
f. Propriocepção: as técnicas de propriocepção são baseadas na educação e no treinamento cinestésico, proporcionando melhoria da consciência corporal, na coordenação dos movimentos e na pré-ativação dos mecanismos de defesa inconsciente e consciente. E para isso, existem uma gama de exercícios que podem ser incluídos nos treinamentos da modalidade. BRINER & BENJAMIM (1999) E THACKER (1999), referem que este tipo de intervenção pode ser efetivo entre atletas com tornozelos previamente lesionados sem o benefício dos estabilizadores durante as atividades. Observou-se uma redução no número de lesões no tornozelo reincidentes quando utilizado a técnica, mas não houve redução para os casos com mais de 5 danos prévios de entorse (BAHR, et al., 1997). É recomendável que os exercícios proprioceptivos sejam realizados com os pés descalços para facilitar a percepção dos mecanoreceptores, permitindo maior sensibilidade ás percepções provenientes do solo, enviando para os níveis superiores informações mais claras. O treinamento em terrenos irregulares como areia, grama, camas elásticas, trampolins, colchões, entre outros, geram instabilidades, favorecendo o treinamento proprioceptivo. Além de quebrar a rotina dos treinamentos, desperta a motivação pelos desafios impostos e amenizam a constância dos saltos em superfícies duras. O ideal é a utilização das técnicas próxima à realidade de jogo, para a preparação e condicionamento dos atletas em determinadas situações.
g. Treinamento técnico: Sugere-se, que a realização dos movimentos técnicos, principalmente nas ações de atacar e bloquear (individual, duplo ou triplo) poderiam afetar as taxas de lesões no tornozelo pelo condicionamento, evitando a linha central durante as ações (BAHR, et al., 1997). Segundo BRINER & BENJAMIM (1999), este tipo de intervenção pode reduzir em 50% a incidência de entorse de tornozelo. Treinar os atletas a não avançar em direção a rede em demasia, parece influenciar na prevenção de lesões, Figura 2.
Fonte: BAHR, et al. 1997: 174.
Figura 2. Exemplo no ataque. O atleta evita invadir a linha central da quadra durante os treinamentos como forma de condicionamento da ação.
h. Calçado: os calçados devem ter adequação em relação ao tamanho, aos apoios e acolchoamentos, devido aos inúmeros saltos realizados, devem ser observados os solados para aderência, considerando o tipo de piso e para a absorção de impactos. Grandes empresas investem muito no aprimoramento dos calçados esportivos específicos, basta escolher o mais adequado ao tipo de esporte praticado. As meias fazem uma relação de grande importância na estabilidade junto ao calçado.
i. Controle da Fadiga Muscular: a fadiga muscular leva a inabilidade de gerar força, dificulta a coordenação motora pela diminuição da sensibilidade dos receptores musculares. A fadiga é normalmente caracterizada pelo desconforto e dor, por acúmulo de ácido lático no músculo. Segundo ROZZI E LEPHART (1999), uma redução na velocidade de condução da membrana leva há uma má qualidade da contração muscular, diminuindo a pré-ativação dos mecanismos de defesa.
j. Estabilizadores de Tornozelo: é um auxiliar que contribui na redução das lesões no tornozelo, pode ser incluída como estratégia de prevenção. No entanto, o uso indiscriminado por longo período sem a associação dos incessantes exercícios de propriocepção e fortalecimento, pode ser prejudicial. Porém, ainda existam controvérsias em relação ao desempenho do atleta com o uso dos estabilizadores de tornozelo (BAHR, et al., 1997; THACKER, et al., 1999). Os atletas que utilizaram estabilizadores associados a um programa de prevenção proprioceptiva tiveram significativamente índices menores de lesões, estas diferenças estão relacionadas em atletas com história prévia de lesão. BRINER E BENJAMIM (1999) recomendam o uso dos estabilizadores enquanto o atleta estiver realizando a reabilitação ativa. Sugestão: sabendo-se que a maioria das lesões ocorrem durante os exercícios específicos da modalidade e não nos jogos coletivos, entre as atletas das categorias de base (FARINA, 2006). Talvez, seja importante considerar a utilização do mesmo, nestas situações, como auxílio preventivo, antes de adquirir lesão. Novamente, associado a outros métodos e técnicas preventivas.
k. Alterações na Regra de Voleibol: outro fator que poderia contribuir na prevenção das lesões seria a alteração de uma das regras oficiais da modalidade de voleibol, item, invasão sob a rede. Este parece favorecer o contato entre os oponentes. Metade das lesões acontece nesta área (BAHR & BAHR, 1997). Porém, existe uma discussão, que tal mudança poderia ocasionar uma alteração no fluxo do jogo, aumentando as interrupções pelas faltas cometidas. Foram realizadas testes com estas alterações, os atletas não poderiam ter nenhum contato com a linha central. No entanto, foi constatado um aumento nas interrupções em 8,4% de 1355 rallys contra 0,3% de 1768 rallys com as regras atuais. A alternativa, para os futuros estudos, diferentemente de BAHR & BAHR (1997), atentaria apenas na diminuição da área de contato, deixando a linha central como parte integrante da quadra, aplicando a penalidade quando o atleta ultrapassasse com qualquer parte do pé, além dos limites da linha como mostra a Figura 3.
Figura 3. Ilustração adaptada e sugestiva das alterações das regras de voleibol.
l. Crescimento Rápido: Pode-se ter como hipótese que o crescimento (2º estirão) possa ser um dos fatores contribuintes pelo alto índice de lesões em atletas com idades mais baixas que estão em período de formação esportiva (FARINA, 2006). Neste período há uma diminuição da coordenação motora geral e da consciência corporal, pelas alterações dimensionais abruptas das estruturas músculo-esqueléticas.
m. Outros fatores: refere-se às atividades que auxiliam na preparação das atletas para a prática do voleibol, atividades como: aquecimento, corridas, além das atividades recreativas e comemorações. Estas situações são responsáveis por uma parcela das lesões, afetando principalmente a região do tornozelo. Em situações de corrida ou trotes (aquecimento ou condicionamento cardiovascular), foram relatadas lesões por irregularidades no terreno, como degraus e buracos. Nas comemorações, estas ocorrerem durante os saltos ou saltitos comemorativos pela pontuação alcançada durante o jogo. O futebol como atividade alternativa, teve uma considerável contribuição para a aquisição de lesão por mecanismo de entorse na região do tornozelo (FARINA, 2006). Segundo os autores, HEWETT & LINDENFELD (1999) e HARRIS (2000) ressaltam, a falta de habilidade como fator de risco de lesão. Portanto, praticar o "futebol" ou qualquer outra modalidade esportiva diferente do voleibol, como forma de aquecimento ou recreação pode ser um fator de risco, pela inabilidade das atletas nestes esportes. Com as devidas precauções, seria possível prevenir em quase 100% os riscos de lesões nestas situações.
Considerações finais
A prevenção no esporte é fator primordial, é a primeira forma de proteção para o atleta. Esta proteção deve ser iniciada na infância, respeitando as distintas fases do desenvolvimento humano junto ao processo de aprendizagem motora desportiva. Uma equipe de profissionais qualificados, responsáveis e sensíveis ás respostas fisiológicas individualmente, é relevante.
Cada item da proposta pode contribuir no resultado geral, na redução das incidências de lesões na região do tornozelo. É necessário discutir a importância da prevenção e da realização do trabalho em equipe e, convencê-los (todos) a assumir as responsabilidades de prevenção durante os treinos e jogos. A equipe técnica é o agente direto na prevenção, trabalhar conjuntamente na elaboração dos treinamentos, na adequação e na segurança é fundamental, para deixar os atletas livres dos perigos desnecessários.
As intervenções profiláticas estão além da ação direta com os atletas, esta integração é de extrema importância para o sucesso do programa, dando ao atleta a oportunidade de torna-se não só um vencedor, mas principalmente um adulto seguro e sadio dentro e fora das quadras.
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