Fisioterapia na Prevenção das Lesões do Ombro em Nadadores: Revisão Bibliográfica




O ombro é a articulação de maior mobilidade do corpo humano e, como consequência, uma das mais vulneráveis.  A sua complexa estrutura anatômica é composta por três articulações: glenoumeral, acromioclavicular e esternoclavicular; por três sistemas osteotenomioligamentares: subacromial, umerobicipital e escapulotorácico; por 14 ligamentos e por 19 músculos. A integridade e a funcionalidade dessas estruturas são fundamentais para a ação conjunta do braço e antebraço, cuja finalidade é dar amplitude de movimento tridimensional. Além dessa importante função, o ombro participa, como restante do membro superior livre, dos mecanismos de equilíbrio e propulsão do corpo como um todo (1).


Com pequena estabilidade estática e grande estabilidade dinâmica, o ombro depende da ação integrada das estruturas anatômicas mencionadas, as quais são responsáveis pelos mecanismos de deslizamento e estabilização, que garantem a firma justaposição da cabeça do úmero à cavidade glenoidal, feita não só pela capsula articular e pelos ligamentos, mas também pela ação do manguito rotador (músculos subescapular, supraespinhoso, redondo menor e infraespinhoso) e da cabeça longa do músculo bíceps braquial e secundariamente pelos músculos deltoide, trapézio, serrátil anterior, rombóde, grande dorsal e elevador da escápula (2).

Os movimentos repetitivos do membro superior à cabeça, como nos movimentos da natação, resultam em aumento do estresse nas estruturas da articulação e aumento do potencial de lesão do manguito rotador. As lesões do manguito rotador podem ser classificadas conforme a duração (aguda ou crônica), a extensão (parcial ou total) e a etiologia (traumática ou degenerativa). Neer dividiu as lesões do manguito rotador em três fases. Na primeira fase ocorre o edema, hemorragia, dor no ombro, dor à movimentação e limitação da rotação interna. Na segunda fase, a fibrose e a tendinite propriamente dita e a terceira fase, a laceração do rotador, rupturas do tendão bicipital e esporões ósseos (3).

A natação é uma modalidade popular praticada desde a infância, tanto para forma de recreação quanto para treinamento e competição. É indicada para promover a manutenção de bons níveis de saúde, tanto cardiovascular como musculoesquelético, além de proporcionar melhora na percepção corporal. Existem quatro tipos de nado: crawl, costas, peito e borboleta. Apesar das vantagens, as exposições constantes a gestos motores repetitivos e sobrecargas representam riscos à intensidade das estruturas corporais (4).

As lesões na natação foram descritas pela primeira vez em 1968, onde Councilman estudou a prevalência de lesões em nadadores de competição e identificou um maior acometimento no ombro, com 37% do total, seguida do joelho, 28%, pé e do tornozelo, ambos com 19%. O mesmo relatou que as lesões musculoesqueléticas nos nadadores podem ser de origens traumáticas ou secundárias, por overtraining. As lesões traumáticas agudas são raras e as lesões de overtraining ocorrem predominantemente em atletas de competição. Os atletas estão sujeitos a sofrerem lesões, seja em fase de treinamento ou em competição. Essas lesões estão diretamente relacionadas a fatores predisponentes: os intrínsecos, inerentes ao próprio atleta como a idade e sexo, os extrínsecos que estão relacionados às características do tratamento como volume de trabalho, intensidade de esforço e o gesto atlético específico realizado pela modalidade; e a ausência de um programa preventivo (5).

Os atletas de natação realizam treinos intensos para aumentar a resistência muscular, porém durante esses treinos ocorre fadiga da musculatura periescapular, do manguito rotador e alteração do posicionamento da escápula durante o movimento da braçada, sobrecarregando os tendões e favorecendo a lesão das estruturas. Muitas dessas lesões são causadas pela inadequada mecânica de realização do gesto esportivo. Entre as patologias mais prevalentes temos: bursites, tendinopatias e tenossinovites (6).

A tendinite na região do ombro é um dos mais sérios problemas que os nadadores de competição enfrentam. O impacto da bolsa subacromial, supraespinhoso e o tendão do bíceps contra o acrômio é muito alta. Esta condição leva os nadadores a uma sobrecarga e microtraumas desenvolvendo uma instabilidade nos ombros que é a falência progressiva dos ligamentos e cápsulas.  Se o atleta continuar a realizar os movimentos apesar da dor haverá fibrose e tendinite crônica do manguito até que finalmente haja ruptura completa com alterações e prejuízos estruturais e funcionais que só serão resolvidas através da intervenção cirúrgica. Um programa específico e individual deve ser elaborado conforme a condição clinica patológica (7).

O presente artigo tem como objetivo mostrar que a estratégia de prevenção é cada vez mais necessária por gerar segurança ao atleta e a redução de lesões.

MATERIAIS E MÉTODOS

Foi conduzida uma revisão sistemática de literatura. As seguintes fontes pesquisadas foram: google acadêmico, scielo, lilacs e bireme, com busca de período de 2003 a 2014, respectivamente. Utilizou-se como palavras chaves fisioterapia x natação x lesão x prevenção, no idioma português.

RESULTADO E DISCUSSÃO

Foram analisadas quatro publicações (Tabela 1) que consistiam em estudos com atletas nadadores do sexo masculino e do sexo feminino, com idade mínima de 16 anos. As lesões que mais prevaleceram foram: bursite subacromial, tendinite do supraespinhoso, tendinopatias, síndrome do impacto, discinesia escapular e tendinite da cabeça longa bíceps (8).

A prevenção é uma palavra chave no panorama esportivo atual. A prática competitiva pode repetir-se negativamente na integridade física do nadador, situação que pode ser confirmada através de uma metodologia de intervenção que inclua o fator prevenção. A incidência de lesões na atividade desportiva tem aumentado nos últimos anos devido às grandes exigências físicas e psíquicas, fatores de riscos inerentes à lesão que essa atividade pressupõe. A identificação desses fatores bem como a implementação de processos que os modifiquem antes da competição, reduz a incidência de algumas lesões e tipo de lesões. Em relação à prevenção fisioterapêutica, Cunha relata há uma similaridade em relação ao tipo de prevenção que consiste no ganho de força muscular específico, da flexibilidade do mesmo e do treino de propriocepção. Em um deles também foi utilizado exercícios educativos dentro e fora da água com relação à técnica do nado, além da postura adequada. Sobre o mecanismo de lesão foi observado sobrecarga, movimentos repetitivos e a realização inadequada de determinados movimentos, sendo como as principais causas desencadeadoras de lesão (9).

Segundo Valentim, os atletas competitivos podem nadar cerca de 10 a 20 km por dia durante 6 a 7 vezes por semana, equivalente a aproximadamente 2.500 braçadas em um único dia. Esse volume excessivo de treinamento torna o atleta mais apto a desenvolver a lesão, já que quando estão em estado exaustivo e fadiga são mais propensos a cometer erros e adotar técnicas inadequadas, favorecendo processos lesionais (10).

Tabela 1 – Descrição dos artigos utilizados na revisão.

Estudo Nº de atletas  Lesões no ombro Fisioterapia Preventiva
Cunha, R.S  et al (2002) [9]  

12

 

Síndrome do Impacto

Alongamentos e exercícios dentro e fora da água
Schwartzmann, N.S et al(2005) [14]  

 

14

 

Tendinite do supraespinhos,tendinite da cabeça longa do bíceps e bursite

Ganho da flexibilidade, fortalecimento muscular específico e treino proprioceptivo
Valentim, A (2011) [10]  

 

16

 

Síndrome do impacto

Ganho de força muscular, alongamentos e adoção da postura adequada
Venâncio, B.O et al (2012) [12]  

71

 

Tendinite e Bursite

Força muscular específica, alongamento e propriocepção

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Enquanto Busso relata que os estilos de nado crawl, costas e borboleta são responsáveis pelo surgimento da síndrome do impacto, por causa do movimento repetitivo e acima da cabeça. Os músculos infraespinho e supraespinhoso têm alta atividade nas fases de recuperação e o redondo menor tem alta atividade durante a fase de tração nestes estilos de nado. Entendo que o infraespinhoso e o redondo menor contribuem para a abdução promovendo a rotação lateral necessária para evitar que a grande tuberosidade encontra-se com o acrômio, enquanto o subescapular é o responsável por guiar posteriormente a cabeça do úmero, opondo-se às forças de deslocamento anterior, enquanto que a linha que a linha de ação do suraespinhoso tem um componente translatório para cima, ao contrário dos outros músculos desta estrutura que o possuem para baixo, sendo ele, por tanto, ineficaz para anular a tendência de deslocamento superior da cabeça umeral provocado pela ação do deltoide, mas apropriado para manter, através do deslizamento, a cabeça do úmero na cavidade glenóide (11).

Para Venâncio, a proposta preventiva tem importância fundamento em proporcionar melhorias no condicionamento físico do nadador e da resistência do tecido muscular do manguito rotador, preservando o atleta. As condições músculo-esqueléticas frequentemente mostram padrões de desequilíbrios. As atividades nas quais ocorre o uso persistente de certos músculos sem o exercício adequado de músculos antagonistas são as grandes responsáveis por desequilíbrios musculares e esses, por sua vez, são de possíveis causas de lesões. Desta forma, o fortalecimento muscular além de proporcionar estabilidade articular para prevenir lesões no ombro do nadador, equilibra também os músculos do ombro de forma que todos tenham um nível proporcional de força muscular, já que o treino exclusivamente aquático permite ganho de força apenas na musculatura que é requisitada ao movimento da técnica do nado (12).

Na prevenção é importante obter plena estabilidade dinâmica articular e equilíbrio muscular através da promoção de força em músculos específicos do ombro, além da boa flexibilidade, sendo decisiva para o normal funcionamento do atleta. A estabilização é o segredo para manter a integridade do ombro e prevenir o mesmo. Os músculos estabilizadores escapulares (trapézio, serrátil anterior e romboides) devem ser treinados progressivamente para suportar o crescente estresse imposto pelo treinamento árduo. O uso de faixas elásticas como rotina de treino fora da água para nadadores devem ser estimulados, pois estimula o mecanismo de cada estilo, aproximando-se muito do movimento da braçada e trabalha especificamente os músculos em diagonais. Também tem que adicionar ao treinamento, exercícios para os rotadores externos e internos. Para iniciar treino de fortalecimento é necessário estar atento à quantidade de treinos por semana para que não haja sobrecarga muscular e nem fadiga. O método utilizado para obter ganho de resistência de força usualmente faz-se com 40% a 60% de carga máxima, de 15 a 25 repetições, séries de 3 a 5 e intervalo de 0,5 a 1,5 minutos (13).

Contudo, Schwartzmann, comenta que uma das técnicas mais utilizadas para a prevenção de lesão desportiva é o alongamento que visa obter uma melhor flexibilidade articular e uma amplitude de movimento ideal para cada articulação envolvida na execução na habilidade esportiva. Exercícios de alongamento resultam sempre na promoção de restabelecimento postural, melhorias em nível muscular na busca do desempenho atlético, prevenção de lesões musculo-tendineas, melhorias na coordenação evitando esforços adicionais no desporto e outros. Para aprimorar a flexibilidade foram desenvolvidas técnicas: alongamento balístico, alongamento estático e facilitação neuromuscular proprioceptiva (FNP) que utiliza contrações. No caso em que o atleta necessita melhorar a sua amplitude articular do ombro é coerente propor o uso da ténica FNP, porém para os atletas que atingiram uma amplitude ideal, o alongamento ainda deve ser realizado para que a amplitude seja mantida, logo o alongamento estático é o mais válido para essa situação (14).

Matzker define que a propriocepção é o uso de imput sensitivo a partir de receptores bis fusos musculares, tendões e articulações para discriminar a posição e o movimento articular, incluindo direção, amplitude, velocidade e tensão relativa dentro dos tendões. Na natação, a propriocepção refere-se à habilidade do nadador sentir e controlar a água com eficiência, ter percepção do fluxo, pois a mão do nadador sempre propulsiona contra a pressão da água em movimento e melhoria postural da cintura escapular. Quando uma articulação é lesionada, os proprioceptores dos músculos, tendões, ligamentos e cápsulas podem ser alterados, causando desequilíbrios. Além disso, devido à posição antálgica, adquirida como um mecanismo pessoal de proteção há formação de uma nova memória ou egrama sensorial patológico, reforçando ainda mais esses desequilíbrios (15).

A correção e a reeducação do sistema proprioceptivo e coordenativo permitem que seja menor o número de músculos que intervêm em cada movimento, diminuindo a fadiga e o estresse. A técnica individual, aliada a uma coordenação entre os músculos agonistas e antagonistas permite que as ações de contração e relaxamento ocorram sem risco. Assim sendo, o esforço e a ação desportiva que os atletas estão continuamente sujeitos durante a atividade podem conduzi-los a situações perigosas de instabilidade, sendo apropriado e aconselhado o uso frequente de exercícios proprioceptivos e coordenação (16).

CONCLUSÃO

Perante as referências estudadas, é coerente a realização de um programa fisioterapêutico preventivo baseado em exercícios de alongamento, exercícios de fortalecimento muscular para equilíbrio da articulação e exercícios proprioceptivos, visando o melhor controle neural da articulação e coordenação do movimento.

REFERÊNCIAS

[1] Sleutjes ,L., Anatomia humana- revisada e ampliada, 2ª ed, 2008, págs 44-51.

[2] Sizínio K. H.; Filho, T.E. P. de B.; Xavier, R.; Junior, A.G.P.; Ortopedia e traumatologia: princípios e práticas, 4ª ed, 2009, págs 166-169.

[3] Joseph, H.; Knutzen, K. M.; Bases de biomecânica do movimento humano, 3ª ed, 2012, págs 146-162.

[4] Da Silva, R.S; Moraes, L.C; Dutra, C.M; Zaniboni, G.R; Silva, D.R; Hessel, M.; Santos, J.T; Incidência de lesões musculoesqueléticas em nadadores de águas abertas, vol 12, nº 01, 2013.

[5] Cohen, M.; Abdalla, R.J.; Ejnisman, B.; Schubert, S.; Lopes, A.D.; Mano, K. Da S.; Incidência de dor no ombro em nadadores brasileiros de elite; Rev Bras Ortop, v.33, Nº 12, 1998.

[6] LASMAR, Neylor e et al. Medicina do Esporte. Rio de Janeiro: Revinter, 2002.

[7] Gatti, R.G.O; Erichsen, O.A; Melo, S.I.L; Respostas fisiológicas e biomecânicas de nadadores em diferentes intensidades de nado; Rev Bras, v.06, nº01.

[8] Guimarães, D.F; Liberato, F.R.C; Morais, C. de A.; Ferro, P.N.A; Lesões que mais acometem ombro de atletas nadadores e tratamento fisioterápico preventivo para esses distúrbios; Revista Digital, Buenos Aires, año 19, nº191, 2004.

[9] Cunha, R.S; Driemeier, D; Panato, D; Pinto, R.S; Silva, F.B; Terra, L.L.; Prevenção de lesões em um grupo de atletas de natação da academia Mapi; 2002.

[10] Valentim, A.; Fisioterapia na prevenção do ombro do nadador, 2011.

[11] Busso, G.L.; Proposta preventiva para laceração no manguito rotador de nadadores, R.bras. Ci e Movi, Brasília, v.12, n.3, 2004.

[12] Venâncio, B.O.; Tacani, P.M.; Deliberato, P.C.P.; Prevalência de dor     nos nadadores de São Caetano do Sul; Rev Bras Med Esporte, v.18, Nº06, 2012.

[13] Martins, M.F; A importância do equilíbrio muscular entre rotadores externos e internos dos ombros de nadadores do estilo crawl; Rev Cient, v.01, nº03, 2005.

[14] Schwartzmann, N.S; Dos Santos, F.C; Bernardelli, E.; Dor no ombro em nadadores de alto rendimento: possíveis intervenções fisioterapêuticas preventivas; Rev. Cient Med, 2005.

[15] Metzker, C.A. B.; Tratamento conservador na síndrome do impacto do ombro, Fisioter. Mov, v. 23, 2010.

[16] Junior, De A.S.R.; Equilíbrio muscular em atletas adolescentes de natação: a importância da fisioterapia desportiva com enfoque da prevenção de lesões; 2009.

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