Exercícios proprioceptivos preventivos

O termo propriocepção foi primeiramente introduzido por Sherrington em 1906, que a descreveu como um tipo de feedback dos membros ao sistema nervoso central (SNC) (Dover & Powers, 2003); propriocepção é um tipo de informação vinda dos membros até o SNC (Lephart et al., 1997). O SNC processa estas informações vindas de terminações nervosas especializadas ou de mecanoceptores que estão localizados na pele, músculo, tendão, cápsula articular e ligamento. Juntamente com os inputs vestibular e visual, os mecanoceptores fornecem ao SNC informações sobre a posição do membro (Beynnon et al., 1999).

Hoje a propriocepção é descrita como a conciliação do senso de posição articular (habilidade do indivíduo identificar a posição do membro no espaço) e da cinestesia (movimento articular) (Dover et al., 2003); outros autores ainda consideram que o termo propriocepção tem um sentido mais amplo, que inclui nesta definição o controle neuromuscular (Laskowski et al., 1997).



Proprioceptores



Para a formulação de um programa de reabilitação-treinamento proprioceptivo é fundamental um conhecimento da fisiologia básica, isto é, de como estes mecanoceptores musculares e articulares funcionam conjuntamente na produção de movimento fluente, controlado e coordenado (Ellenbecker, 2002).

Três tipos de mecanoceptores nos músculos e articulações sinalizam a posição estacionária dos membros e a velocidade de direção dos membros em movimento: (a) receptores especializados sensíveis ao estiramento muscular, denominados receptores do fuso muscular; (b) órgãos tendinosos de Golgi, receptores do tendão que são sensíveis a fora de contração e ao esforço exercido por um grupo de fibras musculares; e (c) receptores localizados nas cápsulas articulares que são sensíveis à flexão ou extensão da articulação (Kandel, 2003).



Vias proprioceptivas



Esses mecanoceptores iniciam o laço aferente do feedback proprioceptivo ao SNC (Laskowski et al., 1997). Os axônios que transportam informações dos órgãos para a medula são chamados de aferentes e são denominados de acordo com seu tamanho, ou seja, I, II, e assim por diante, conforme o diâmetro e a velocidade de condução relativa. Transportam as informações dos órgãos do fuso (Ia) e dos órgãos de Golgi do tendão (Ib) (Cailliet, 2000).

Muitos axônios que trazem a informação proprioceptiva entram no corno dorsal da medula e fazem sinapses com os interneurônios. A essência da integração aferente com a coluna espinhal é quando estes sinais se encontram com os interneurônios e estes se conectam com os altos níveis do SNC. A maioria dessas informações proprioceptivas propaga-se até os altos níveis do SNC através do trato dorsal lateral ou trato espinocerebelar. Os dois tratos dorsais laterais estão localizados na região posterior do corno espinhal e finalmente carregam os sinais ao córtex somatosensorial. Embora a maioria das sensações que este trato é responsável seja toque, pressão e vibração, grande quantidade da compreensão consciente do senso de posição articular e cinestesia também é atribuída a este trato (Riemann & Lephart, 2002).



Exercícios proprioceptivos preventivos



Os exercícios proprioceptivos são uma parte integral do processo de reabilitação e talvez seja prudente o uso clínico na prevenção de lesões desportivas, pois os estudos realizados comprovaram que a prescrição destes exercícios melhora o senso de posição articular e evita que as lesões ocorram (Dover et al., 2003).

A prática regular de exercícios proprioceptivos ajuda a manter uma excelente resposta do sistema somatosensorial, comprovando que a utilização destes exercícios auxilia na manutenção do equilíbrio (Gauchard, 1999).

O programa de exercícios proprioceptivos, para compor um trabalho proprioceptivo preventivo, deve ter exercícios dinâmicos, multidirecionais e específicos de cada esporte. Estes exercícios trabalham principalmente com componentes da estabilidade dinâmica das articulações (unidades músculo-tendíneas) que mantém os membros e as articulações estáveis durante os movimentos. Este treinamento de exercícios dinâmicos específicos de cada esporte, permite facilitações na adaptação proprioceptiva na articulação do joelho em atletas (Hewett, 2001).

Em um estudo controlado prospectivo de 600 jogadores de futebol relacionou os possíveis efeitos preventivos de um treinamento proprioceptivo. Trezentos jogadores foram instruídos a treinar 20 minutos por dia com 5 diferentes fases de dificuldade aumentada. A primeira fase consistiu de treinamento equilibrado sem qualquer prancha de equilíbrio, a fase 2 de treinamento em uma prancha de equilíbrio retangular, fase 3 de treinamento em uma prancha redonda, fase 4 de treinamento em uma prancha retangular e redonda combinado, fase 5 de treinamento em uma prancha chamada BABS. Um grupo controle de 300 jogadores de outros times comparáveis treinava normalmente e não receberam qualquer treinamento. Ambos os grupos foram observados durante três temporadas e possíveis lesões de ligamento cruzado anterior (LCA) foram diagnosticadas por exames clínicos. Um total de 10 lesões de LCA foram encontradas no grupo propriocepção, contra 70 lesões nos jogadores que somente realizaram o treinamento normal foram registradas. Este trabalho concluiu que o treinamento proprioceptivo pode reduzir significativamente a incidência de lesões de LCA nos jogadores de futebol (Caraffa, 1996).

No futebol Suíço durante as temporadas de 1999 e 2000, 101 jovens atletas participaram de um grupo de intervenção, realizando diversas atividades que tinham o intuito de prevenir lesões, entre elas um programa de exercícios destinados a aumentar a estabilidade das articulações do tornozelo e joelho, enquanto 93 jovens atletas do grupo controle continuaram a praticar o esporte normalmente. A incidência de lesões no grupo de intervenção foi de 6.7 a cada 1000 horas de treinamentos ou jogos, enquanto no grupo controle foi de 8.5, o que representa um número 21% menor de lesões no grupo de intervenção comprovando claramente que a incidência de lesões no futebol pode ser reduzida com um programa de prevenção (Junge et al., 2002).

Em um trabalho nos anos de 2000 e 2001 com jogadoras de futebol com idade entre 14 e 18 anos de equipes norte-americanas, 1041 e 844 atletas participaram do grupo de intervenção no primeiro e segundo ano respectivamente, enquanto o grupo controle contou com 1905 e 1913 em cada ano do estudo. O grupo de intervenção realizou um programa de treinamentos neuromusculares e proprioceptivos, além de exercícios de aquecimento, alongamento e fortalecimento, com o intuito de reduzir o índice de lesões dos ligamentos cruzados anteriores destes atletas enquanto o grupo controle continuou sua rotina normal de treinamentos. No primeiro ano de estudos ocorreram 2 lesões de ligamento cruzado anterior no grupo de intervenção, enquanto no grupo controle ocorreu 32 lesões deste ligamento. No segundo ano de pesquisa ocorreram 4 e 35 lesões do ligamento em questão no grupo de intervenção e no grupo controle respectivamente. Ocorreram 88% e 74% menos lesões do ligamento cruzado anterior no grupo de intervenção em comparação com o grupo controle no primeiro e segundo ano respectivamente (Mandelbaum et al., 2005).

No estudo com 1263 jovens atletas de futebol, basquetebol e voleibol dos sexos masculino e feminino para verificar a incidência de lesões de joelho em atletas do sexo feminino. Havia dois grupos de atletas do sexo feminino, o grupo de intervenção que foi submetido a um programa de treinamento neuromuscular durante 6 semanas que consistia de alongamentos, exercícios pliométricos e treinos com pesos enfatizando as características de cada esporte, o grupo controle em que continuou realizando sua prática desportiva de modo habitual e um terceiro grupo controle de atletas do sexo masculino. Ocorreram 14 lesões severas de joelho durante o estudo, em que 10 ocorreram no grupo controle de atletas (8 lesões sem contato) e 2 (0 sem contato) lesões no grupo de intervenção de atletas do sexo feminino respectivamente. E no grupo controle de atletas do sexo masculino ocorrera 2 lesões severas de joelho, sendo que uma lesão de contato e outra sem contato. O menor número de lesões severas de joelho em atletas que se submeteram ao treinamento neuromuscular pode ser devido ao aumento da estabilidade dinâmica articular destes atletas (Hewett, 1999).

No estudo com 765 jovens jogadores (523 do sexo feminino e 242 do sexo feminino) de basquetebol e voleibol foram divididos no grupo de intervenção (373 atletas) que participaram de um programa de treinamento de equilíbrio e no grupo controle (392 atletas) que mantiveram suas atividades desportivas rotineiras. O programa de exercícios escolhidos para a realização do trabalho foi baseado nos exercícios usados durante a reabilitação de lesões de joelho e tornozelo. Os exercícios foram divididos em 5 fases, sendo que da fase 1 a 4 foi desenvolvida durante 4 semanas antes do início da temporada com a realização dos exercícios 5 vezes por semana. A fase 5 do treinamento ocorreu após o início das competições com a realização dos exercícios 3 vezes por semana. O objetivo foi verificar a incidência de lesões de tornozelo nestes atletas, e o grupo de intervenção teve significativamente menos lesões o grupo controle (1.13 e 1.87 lesões de tornozelo a cada 1000 horas de prática esportiva). Então, um programa de treinamento de equilíbrio reduziu significativamente o risco de entorses de tornozelo em jovens atletas de futebol e basquetebol (de McGuine & Keene, 2006).

Em pesquisa realizada durante a temporada 2001-2002 do voleibol holandês masculino e feminino sobre treinamento proprioceptivo com o objetivo de diminuir o número de entorses de tornozelo contou a participação de 641 jogadores no grupo controle e 486 jogadores no grupo de intervenção. O programa de treinamento consistiu em 14 exercícios básicos com e sem o uso de pranchas de equilíbrio, e foram realizados durante as 36 semanas da temporada de voleibol. O entorse de tornozelo teve incidência de 0.5 por 1000 horas de jogo no grupo de intervenção e 0.9 por 1000 horas de jogo no grupo controle. A incidência total de lesões no grupo de intervenção foi de 2.1 por 1000 horas de treinamentos ou jogos, enquanto no grupo controle foi de 2.9 por 1000 horas. Concluiu-se que um programa proprioceptivo em pranchas de equilíbrio foi suficiente para prevenir a ocorrência de entorses de tornozelo (Verhagen et al., 2004 ).

O treinamento em discos de tornozelo influenciou o tempo de reação de músculos selecionados durante um entorse de tornozelo simulado em pessoas sem lesões prévias e sem instabilidade funcional do tornozelo (Sheth et al., 1997).

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